A iniciativa da erradicação
da Pólio em Angola
Por Drª Fátima Valente,
Directora do PAV
INTRODUÇÃO
A República de Angola, com uma área de 1,246,700 km² é o segundo
maior País africano ao sul do Saara e é o maior País africano
de expressão portuguesa. Faz fronteira com a República Democrática
do Congo ao norte e nordeste, a República do Congo ao norte, a
Namíbia ao sul e a Zâmbia a leste (Mapa 1). A sua população estimada
para o ano 2002 é de cerca de 14 milhões de habitantes dos quais
aproximadamente 3 milhões são crianças menores de 5 anos, 600
mil são crianças menores de 1 ano e 6 milhões e 900 mil são crianças
menores de 15 anos.
Situação
de acessibilidade - JNV Angola - 2001 |
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Mapa 1 - Fonte: PAV Angola |
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Administrativamente o País
está dividido em 18 Províncias, 164 municípios e 509 comunas.
O Programa Alargado de Vacinação (PAV) existe em Angola desde
1979. Tal como outros programas de saúde e da área social em geral,
o PAV sofreu um grande atraso causado principalmente pela influência
negativa da guerra que assolou o País durante mais de 2 décadas.
O impacto reflectiu-se não só directamente na destruição física
das unidades sanitárias e de equipamentos, mas também de forma
indirecta através das penúrias orçamentais, na desmotivação dos
trabalhadores afectados duramente pela situação socioeconomica
e na deslocação repetida das populações a procura de locais seguros.
A vacinação de rotina contra o vírus da poliomielite é administrada
em quatro doses, à nascença, aos 2, 4 e 6 meses de idade. A cobertura
de vacinação de OPV3 tem sido muito baixa, tendo atingido 43%
no ano que findou (ver gráfico 1).
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Cobertura vacinal de rotina - OPV3
Angola - 1994/2001 |
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Gráfico 1 - Fonte: PAV
Angola |
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ANTECEDENTES
Em 1995, a semelhança dos outros 45 países da região Africana
da OMS, Angola assumiu o compromisso da erradicação da pólio até
ao ano 2005.
Nesse mesmo ano realizou-se a primeira Jornada subnacional de
Vacinação contra a poliomielite em 6 Províncias do Pais com vista
a fazer um bloqueio na área sul do País, à partir da qual se presumia
ser foco de "exportação" de casos de pólio para a República da
Namíbia.
Desde 1996, o Ministério da Saúde através do Programa Alargado
de Vacinação tem vindo a implementar as estratégias determinadas
pela OMS para o alcance deste objectivo (vigilância epidemiológica
das Paralisias Flácidas e Agudas - PFA, Jornadas Nacionais e Locais
de Vacinação e reforço da Vacinação de Rotina).
Anualmente tem-se realizado com sucesso, Jornadas Nacionais de
Vacinação (JNVs), em 2 fases em todo o Pais. Desde 1999, com o
objectivo de acelerar as actividades de erradicação da pólio as
JNVs passaram a ser realizadas em 3 fases. Em 2001 devido a situação
epidemiológica da polio na Região central de África, as JNVs foram
realizadas sincronizadamente com os Países vizinhos (RDC, Congo
Brazaville, Gabão, Namíbia e a Zâmbia).
Devido a situação de Guerra e de instabilidade que o País vinha
vivendo uma média de 20 à 60 municípios não têm sido cobertos
pela vacinação ao longo dos anos - (ver Mapa 1). Paradoxalmente
no entanto o número de crianças vacinadas tem superado as expectativas,
tendo-se atingido coberturas que variam de 70% à mais de 100%
da população alvo estimada, ou seja de 2 à 3 milhões de crianças
menores de 5 anos.
A poliomielite foi descrita pela primeira vez em Angola em 1940.
As primeiras epidemias registaram-se em 1951 com 764 casos e em
1962 com 251 casos e 6 óbitos. Após uma campanha nacional com
a vacina da pólio oral em 1968 e 1969, houve um decréscimo substancial
na incidência da pólio.
Após a Independência do País (em 1975) levaram-se a cabo campanhas
de vacinação contra a pólio, duas vezes por ano, com a vacina
conhecida na altura como "rebuçado". Esta estratégia não teve
continuidade por diversos factores e não foi acompanhada pela
vigilância activa da doença. Assim, nos anos subsequentes, foram
sendo notificados casos de Paralisia residual em crianças, que
por falta de investigação oportuna não se poder afirmar que tenham
sido casos de pólio.
Em 1994, na sequência de um estudo feito em colaboração com a
OMS Afro e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças de Atlanta
(CDC), colheram-se amostras de fezes de 7 crianças com Paralisia
Flácida Aguda, internadas no Hospital Pediátrico de Luanda. Quatro
desses casos foram confirmados como positivos para o poliovirus
selvagem tipo I. Isto confirmou que o vírus ainda continuava a
circular no País.
No entanto, o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica das
Doenças de Notificação Compulsória continuou a ser passivo, não
atendendo as necessidades do programa de erradicação da poliomielite,
em que um dos três componentes estratégicos é a vigilância efectiva
das Paralisias Flácidas e Agudas.
No inicio de 1997, com o apoio da OMS, seis médicos das Forças
Armadas Angolanas e com recursos materiais oferecidos pelo Governo
da Alemanha, procedeu-se a busca activa retrospectiva de casos
de PFA, tétano neonatal e sarampo no Hospital Pediátrico de Luanda
e Centro de Reabilitação Física. Foram assim identificados para
o ano de 1996, 81 casos de PFA.
A partir de então teve inicio um projecto de revigoramento do
sistema, com base em seminários provinciais sobre Vigilância Epidemiológica,
formação de formadores em epidemiologia e luta contra as Epidemias,
com prioridade para as PFA.
Nesse mesmo ano, a vigilância passiva notificou um total de 13
casos de PFA, sem amostras de fezes.
Em 1998 o sistema de busca activa foi estabelecido na Província
de Luanda. Com a implementação do sistema, detectou-se um total
de 19 casos de PFA com isolamento viral do poliovirus selvagem
tipo 3 em 5 casos.
Contudo, apesar de todos os esforços realizados desde 1995 com
a vacinação suplementar, durante o período de Março a Julho de
1999, altura em que se terminava a formação dos Técnicos Provinciais,
momento em que o País encontrava-se ainda desprovido de Recursos
Humanos e materiais, começou a maior epidemia de Poliomielite
jamais registada na região Africana, causada pelos Poliovirus
Selvagem tipo 3 e 1, com predomínio do Poliovirus tipo 3. Foram
notificados um total de 1.117 casos e 113 óbitos nas Províncias
do Luanda, Bengo, Benguela e Cabinda. O controle da epidemia envolveu
todos os técnicos da Direcção Nacional de Saúde Pública e criou
uma dinâmica de encontros semanais de avaliação das actividades
que posteriormente foram assumidos pelo Comité de Coordenação
Interagência (ICC) presidido pelo Sr. Vice Ministro da Saúde e
integrado pela OMS, UNICEF, ROTARY INTERNACIONAL, USAID e CORE
GROUP.
Depois de se ter declarado fim da epidemia, deu-se sequência a
implementação das actividades de rotina, tendo sido realizados
encontros de sensibilização de profissionais de saúde e formação
de técnicos municipais das Províncias de Luanda, Bengo, Benguela,
Huíla, Namibe, Cunene e Cabinda. Como resultado dessas actividades
e a alerta da epidemia foi possível detectar um total de 29 casos
de PFA com confirmação laboratorial de poliovirus selvagem tipo
1 em 1 caso, no período de Julho à Dezembro de 1999.
Casos
de PFA notificados
Angola - 2001 |
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Mapa 2 - Fonte: PAV Angola |
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Em 2000, foi dada continuidade
das actividades de formação, aquisição e distribuição de meios
de transporte, equipamentos de informática e rádios de comunicação.
Como resultado de todo este esforço foram notificados em 2000,
220 casos de PFA com isolamento viral em 59 casos do poliovirus
selvagem (56 casos tipo 1 e 3 casos tipo 3). Em 2001, foram notificados
149 casos de PFA, com uma taxa de PFA não Pólio de 2.0 e com uma
taxa de colheita de amostras de fezes oportunas de 68%. Foi diagnosticado
apenas 1 caso positivo de poliovirus selvagem tipo 1 e 10 casos
foram considerados compatíveis com poliomielite - (ver Mapa 2)
SITUAÇÃO ACTUAL
A situação actual é de optimismo, visto que desde 4 de Abril do
ano corrente foi assinado o cessar fogo entre as Forças Governamentais
e a UNITA. No actual clima de Paz as perspectivas são de levar
a vacinação e a vigilância epidemiológica das PFA à todas as áreas
do País. Prioridade está sendo dada aos municípios anteriormente
inacessíveis e as áreas de aquartelamento das ex-tropas da UNITA.
A confirmação laboratorial em 2001 de 1 caso de poliomielite na
Província da Lunda Sul e em 3 crianças Angolanas refugiadas na
região oeste da Zâmbia e provenientes de ex-áreas de conflito,
fronteiriças aquele País, sugeriu que havia persistência da circulação
do Pólio vírus selvagem ao longo da região leste do País. Foi
por isso realizada um campanha de vacinação de Emergência em Março
de 2002, nas quatro Províncias do leste (Lunda Sul, Lunda Norte,
Moxico e Kuando Kubango).
Após o cessar fogo, tem se vindo a registar uma grande movimentação
da população de municípios anteriormente inacessíveis, para áreas
mais estáveis com destaque para as capitais Provinciais. Por este
motivo e com base nos seguintes critérios: Municipios com casos
de Pólio compativeis ou poliovirus selvagem em 2000 e/ou 2001;
capitais provinciais; municipios récem acessíveis depois da 3ª
fase das JNV 2001 e municipios silenciosos, foram seleccionados
40 municípios para a realização das Jornadas Locais de Vacinação,
em Maio de 2002.
Estima-se que mais de 3. 000.000 de crianças < de 5 anos sejam
vacinadas nas Jornadas Nacionais de Vacinação em Junho, Julho
e Agosto. Representantes de todos os municípios do País participaram
na microplanificação o que nos deixa antever que todos os municípios
serão cobertos durante as JNVs.
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Casos
de PFA notificados
Angola - 2002 |
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Mapa 3 - Fonte: PAV Angola |
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No tocante a Vigilância
Epidemiológica, foram notificados de Janeiro a Junho de 2002,
114 casos de PFA. Dos casos notificados, 90% tiveram amostras
de fezes oportunas. A actual taxa de PFA não polio é de 3,3. (ver
Mapa 3)
Casos de PFA notificados Angola 2002 Casos de PFA: 114
PARCERIA
As actividades de vacinação em Angola, contam com a coordenação
do Ministério da Saúde através do Programa Alargado de Vacinação
e têm o apoio técnico e financeiro da OMS, UNICEF, Rotary Internacional,
USAID, CORE Group, Empresas Privadas como a Odebrecht entre outras.
Em 1998 e 1999, contamos com o apoio financeiro da DE BEERS.
O apoio das Forças Armadas Angolanas tem sido crucial na transportação
da logística e no apoio a vacinação nas áreas de difícil acesso.
A Igreja, as autoridades tradicionais, outros Organismos das Nações
Unidas e as ONGs nacionais e internacionais também têm contribuído
de forma positiva e activa, para o sucesso das actividades em
prol da iniciativa de erradicação da Poliomielite em Angola.
PERSPECTIVAS/DESAFIOS:
A interrupção da circulação do pólio vírus selvagem será possível
com:
- Vacinação de todas as crianças menores de cinco anos;
- Fortalecimento e extensão da vigilância epidemiológica activa
a todo o Pais, incluindo os municípios recém acessíveis;
- Manutenção dos indicadores de qualidade da vigilância epidemiológica,
envolvendo todas as forças vivas (Sobas, Igrejas, Militares,
ONG´s, etc.) nos municípios onde as infra-estruturas sanitárias
e pessoal de saúde não exista;
- Assegurar a qualidade das JNVs e JLVs através do sistema
de monitorização independente das campanhas bem como reforçando
a estratégia de vacinação casa-casa.
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