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Discurso pronunciado por sua excelência José Eduardo dos Santos,
presidente da República de Angola, na cerimónia de abertura da Cimeira
de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade de Desenvolvimento
dos Países da África Austral
Sua excelência Dr. Bakali Muluzi, presidente da República do Malawi,
Excelências, chefes de estado e de governo, excelentíssimos senhores delegados, ilustres convidados, minhas senhoras e meus senhores,
No momento em que Angola acolhe pela primeira vez a Cimeira da Comunidade de Desenvolvimento dos países da África Austral (SADC), é com um sentimento de profunda alegria que em meu nome pessoal, do Governo e do Povo Angolano dou as boas vindas a vossas excelências.
Este é um evento de especial significado e importância para o povo, que tem
laços especiais de amizade e de cooperação com todos os povos da região e sempre
se empenhou na busca de soluções para os nossos problemas comuns.
Desde a fundação da Conferência de coordenação do Desenvolvimento da
África Austral ( SADCC) e da comunidade de desenvolvimento dos países da África
Austral ( SADC), herdeiras directas da Organização dos Países da Linha da Frente, grandes mudanças no domínio político ocorreram na nossa sub-região.
A ordem política baseada no sistema de Partido Único e na constelação de Estados gravitando á volta do "apartheid" foi substituída por uma nova ordem fundada em sistemas pluripartidários e na edificação de Estados Democráticos de Direito.
Para o efeito tivemos não só de enfrentar e superar enormes desafios na consolidação e fortalecimento dos nossos Estados, mas também no aperfeiçoamento
da democracia e na definição de regras constitucionais claras para sua observação.
Fizemos ao mesmo tempo grandes progressos na assimilação da cultura da tolerância política por meios pacíficos.
Para se lograr estabilidade política em cada um dos nossos Estados foram
decisivos também esforços simultâneos para se pôr fim aos diferentes conflitos
armados, alguns dos quais se arrastavam há muitos anos, com vista à instauração
do indispensável clima de paz e segurança na região.
Apesar dos resultados já alcançados, a paz, a segurança e a estabilidade continuam a ser a nossa maior prioridade, dado que nos falta ainda encontrar uma solução definitiva para os conflitos que prevalecem na República Democrática do Congo, Burundi e na região dos Grandes Lagos. Tal só será possível com uma correcta avaliação e remoção das causas dos conflitos, baseados na negociação e no diálogo e no combate às ingerências exteriores.
Também a nível económico os países da região deram importantes passos em frente. Alguns de nós possuíam sistemas de economia centralizada e outros economias de mercado, mas todos optámos por processos de saneamento financeiro e de ajustamento estrutural, que estão já a levar á formação de uma nova base económica.
Vários regimes de prioridade coabitam neste período de transição em que se
aplicam de forma mais lenta ou mais rápida, consoante o país, as regras do mercado numa economia cada vez mais livre.
Também a este nível temos de enfrentar vários desafios, em particular porque a riqueza produzida é manifestamente insuficiente e está além disso concentrada em determinados círculos das sociedades urbanas e rurais.
Temos por essa razão de nos interrogar sobre a melhor forma de redistribuir
e aumentar essa riqueza e de combater a pobreza. Na minha opinião é necessário
começar por consolidar a economia de mercado e definir com clareza o papel
do Estado, principalmente lá onde o sector privado se revelar incapaz por outro lado, e criar incentivos ao investimento que favoreçam o ce4scimento económico, gerando mais emprego, e elevando os níveis de poupança.
Paralelamente deve ser estimulada a competitividade das nossas economias nas áreas em que cada uma delas possui vantagens comparativas reais e potenciais.
A SADC deve de facto ser capaz de conduzir ao desenvolvimento integrado as economias nacionais na sub-região, constituindo-se ela própria num centro
de poder no relacionamento com o resto do mundo.
Para tal é necessário que cada Estado membro disponha de finanças públicas e
economias saudáveis. O primeiro esforço terá, pois, de partir de cada Estado,
através da definição de políticas macro-económicas que visem a estabilidade, a criação de condições internas para o crescimento do sector produtivo e a erradicação da pobreza.
Neste contexto, a canalização de recursos para a criação ou a melhoria de
Infra-estruturas sociais e económicas deve ser considerada também como um factor essencial de integração.
Porém, os desníveis assimetrias existentes entre os Estados da região
podem constituir uma dificuldade no processo de integração, mas não são um obstáculo intransponível, como o demonstram outras experiências do mesmo
género existentes no mundo.
Para tal precisamos de definir correctamente a estratégia a adoptar, harmonizando as nossas políticas macro- económicas, tendo em conta os objectivos de crescimento económico regional e o potencial de cada país.
Ao mesmo tempo será necessário definir metas para cada Estado membro, a atingir progressivamente, apoiando-se o esforço de harmonização com programas que prevejam a realização de projectos comuns de infra- estruturas regionais,
tendentes a facilitar a integração dos mercados da sub-região.
Todo este processo não pode ser desenvolvido sem a participação directa do sector privado, que deve constar como uma das nossas preocupações prioritárias.
De facto, o projecto de integração económica só será viável se se fundamentar em parcerias empresariais, favorecendo em simultâneo o investimento privado, nacional e estrangeiro, quer em projectos regionais, quer em projectos de
iniciativa nacional em cada um dos países da região.
Uma das vias seria, por exemplo, a dos projectos de desenvolvimento espacial, como solução integrada para a activação dos corredores de interligação regional, no âmbito da estratégia de desenvolvimento da SADC.
Devemos também continuar a prestar atenção ao problema crucial dos recursos
financeiros da SADC. Mais de 80% dos projectos da nossa comunidade são hoje suportados por doações internacionais. Sem deixar de recorrer às instituições
financeiras internacionais e regionais, é imperioso que se criem mecanismos de autofinanciamento dos projectos de desenvolvimento da SADC.
Embora tenhamos de reconhecer que não é fácil mobilizar recursos próprios,
trata-se de uma ambição legítima, que se4 inscreve no processo de reestruturação
da nossa comunidade, no sentido da sua afirmação e da modernização e eficácia dos seus órgãos.
Excelências,
Por mais bem intencionados que sejam as nossas aspirações, não poderemos
ter êxito se no centro de todas as nossas atenções não estiver o Homem e a questão do seu desenvolvimento. De facto, tudo passa por aqui.
Temos de começar por dar solução imediata à situação dramática de populações que, em razão dos conflitos armados ou da simples luta pela sobrevivência, foram forçadas a abandonar as suas regiões ou países de origem, engrossando hoje o enorme contigente de deslocados e de refugiados, sem quaisquer meios de subsistência.
A solução para um problema de tal magnitude, e que a todos afecta, tem de passar eventualmente pela criação de uma unidade especializada ou pela elaboração de um programa comum de combate a esse flagelo.
Também o combate às doenças endémicas, como a malária e a tuberculose, e ao HIV/SIDA tem de ser feito de forma coordenada e com uma agressividade compatível com a ameaça que elas já representam para a própria segurança nacional dos nossos países.
No caso particular do HIV/SIDA, que nalguns casos atinge já 30% da população de alguns dos nossos países, a sua propagação certamente se acentuará com a maior facilidade de circulação de pessoas na nossa região, se entretanto não forem tomadas medidas sérias e articuladas para a sua prevenção.
Por sua vez, os índices de desenvolvime4nto humano que ser verificam nos nossos países atestam bem as dificuldades por que passamos. A título ilustrativo poderei recordar que os países ricos, por exemplo, consomem mais de 9 biliões de kilowatts de electricidade contra os 250 milhões consumidos por toda a África sub-sahariana.
O montante de gastos no ensino público, por aluno, nos países ricos é de cerca de 16 mil dólares/ano, enquanto que na generalidade dos nossos países não passa dos 40/ano. A esperança de vida, a taxa de mortalidade infantil e o grau de alfabetização apresentam as médias mais baixas. Os países identificados como tendo a mais baixa esperança de vida são todos africanos, e , entre estes, constam três da SADC, nomeadamente Angola, Malawi e Zâmbia.
Os esforços para se combater o atraso económico, a fome e as doenças e para se assegurar o bem- estar dos nossos povos implicam que dediquemos uma redobrada atenção ao ensino e à educação das gerações mais jovens, a quem importa garantir a formação académica e técnica e a capacidade de investigação científica. Também
a este nível é decisiva a cooperação e a inter-ajuda tanto a nível internacional como regional.
Uma especial atenção deve ser dada também à mulher no quadro do desenvolvimento
humano da nossa região, pois o seu índice também é medido a partir do desenvolvimento do género.
Nos nossos países, as mulheres só ganham aos homens em termos de esperança
de vida, pois em todos os outros indicadores económicos e sociais é notória a sua discriminação, nomeadamente a nível das oportunidades de emprego, dos salários e da alfabetização.
A questão da alfabetização, que é a principal razão para o valor mais baixo do índice, deve merecer a nossa atenção especial, pois está provado que o aumento da alfabetização das mulheres contribui directamente para a diminuição
da mortalidade infantil e para a redução das taxas de fecundidade.
Não nos podemos esquecer que um dos propósitos do desenvolvimento humano é ampliar o leque de opções dos cidadãos, permitindo-lhes fazer as escolhas cada vez mais conscientes e livres em relação ao seu próprio destino e ao dos seus países.
Por essa razão a liberdade, mais do que um ideal, é uma componente vital do desenvolvimento humano. A democracia pode e deve propiciar a integridade física do indivíduo, o império da Lei, a liberdade de expressão, a participação política e a igualdade de oportunidades.
A sociedade civil, por sua vez, e neste contexto deve organizar-se cada vez melhor, de forma a colaborar activamente com os governos na procura de soluções
para os problemas existentes. Neste contexto ainda, há uns que passam a vida a criticar e contestar os poderes públicos. Isto também é necessário quando não há excessos.
Mas o mais importante é a colaboração.
Essa colaboração pode mesmo revelar-se decisiva não só na acção social
mas também no campo de aplicação da Justiça e no combate ao crime organizado
e transfronteiriço, que tem vindo a agravar-se na região.
Excelências,
Não gostaria de terminar sem antes fazer uma referência elogiosa à acção desenvolvida durante o seu mandato como Presidente da SADC por sua excelência Dr. Bakili Muluzi, Presidente da República do Malawi. Ele soube conduzir com competência, flexibilidade e elevado sentido de missão os complexos destinos da nossa organização.
Bem haja senhor Presidente,
Esta referência é extensiva aos trabalhadores do secretariado da SADC,
que cumpriram de forma positiva a sua acção de nos manter informados e a par de todos os desenvolvimentos da nossa organização no mandato que ora cessa.
Desejo que se sintam entre nós como nos vossos países e que sejam portadores
no regresso da profunda simpatia, amizade e solidariedade que o povo angolano dedica a todos os povos irmãos que integram a Comunidade de Desenvolvimento dos Países da África Austral.
Vocês são sempre bem-vindos!
Muito obrigado pela vossa atenção!
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