Ivete Sangalo sacode Luanda com fé e energia de carnaval
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Cantora brasileira Ivete Sangalo em actuação no Estádio Nacional da Cidadela, em Luanda |
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Luanda, 22/06 - Ainda no camarim do palco, onde viu-se
forçada a evocar a Deus para ajudar a solucionar um repentino problema acústico, a escassos minutos da abertura do show, a cantora brasileira Ivete Sangalo pressentiu que a sua segunda actuação em Luanda seria um sucesso, em termos de empatia
com o público.
"Electrizante", a baiana regressou a Angola disposta a mostrar
como se porta nas
festas de Carnaval em Salvador da Bahia e, mesmo antes de dar a
cara, acreditou
que o ambiente no Estádio Nacional da Cidadela pudesse vir a ser
encantador.
Era noite de sábado. Os ponteiros dos relógios iam acima das
21:00, horário
previsto para a esperada entrada da autora de "Poeira", mas esta
continuava "invisível",
fazendo subir a pressão a quase 17 mil fãs que a esperavam há já
três horas.
O cenário inicial era de festa, de emoção e tensão. Desde cedo,
um alargado
colorido transfigurava a catedral do futebol angolano, que
testemunhava a troca, ainda
que por breves horas, da velocidade da bola pela potência das
ondas sonoras.
Na relva, mais de 10 mil pessoas esperavam pela subida de
Ivete. Eram cidadãos
de diferentes estratos sociais, trocando palavras e "misturando"
suor, sem preconceito,
tudo para ajudar a colorir uma festa que, antes do início, já tinha
pinta de sucesso.
Ao contrário da bancada e dos camarotes VIP, não havia, ali,
direito a coisa alguma.
Nem comida, nem bebida. Mas via-se alegria, entusiasmo e
vontade de mostrar ao
Brasil que Luanda conhece, sente e aplaude a coroada trajectória
musical de Sangalo.
Enquanto se esperava pela "Hora H", a agitação tomava conta do
estádio. A bancada
geral não ia lotada, mas perto de quatro mil pessoas buscavam
energia para "concorrer",
em pé de igualdade, com outros compatriotas que, a partir da
relva, ensaiam as
cordas vocais e os músculos, tudo para suportar a energia da
cantora.
A multidão no interior da Cidadela garantia, à partida, inspiração
para a chamada
"Furacão da Bahia" pôr para fora o seu "lado felino" e viajar no
tempo, a fim de explorar sucessos que, em 15 anos, tornaram-na
uma das mais queridas intérpretes da Bahia.
Mesmo com essa certeza, o entra e sai no exterior do estádio não
pára. A Polícia
Nacional coordena as entradas, o protocolo encaminha os
espectadores aos respectivos
lugares. Tudo na paz! Pelo colorido da bancada, até parece um
típico dia de jogo da
Selecção Nacional. Porém, a festa da Cidadela é só cultural.
O habitual empurra-empurra do futebol não se vislumbra. Mas
entradas são às pressas, pois todos querem ver, de perto, a
primeira aparição da estrela da noite. Mil agentes da polícia
trabalham para manter a ordem no exterior e interior do campo,
enquanto seguranças privados controlam a área do palco.
Por entre a multidão, dois repórteres procuram o melhor ângulo,
dispensam por
momentos os atractivos do espaço VIP, arregaçam as mangas e
anotam cada detalhe,
cada grito, cada gesto (...) do público, para manter o ritmo e
mergulhar na festa.
"O estádio não está completamente cheio, mas creio que vai ser
um grande show. A
Ivete é muito forte", comenta uma fã da baiana, bem ao lado dos
jornalistas da Angop.
As primeiras três horas seriam de aquecimento, com animação de
djs conceituados nas lides nocturnas da capital. Mas o problema
acústico muda história do filme. Ivete e
Bruno Albernaz (um dos dois agentes contratantes) já até estudam
formas de o espectáculo ser adiado por 24 horas. Mas Deus ajuda
e o som é finalmente reposto.
Em 17 minutos, dá-se o momento esperado. São 21:48. Por entre
luzes escuras, a banda inicia o serviço. E o público se agita. Ivete
de pronto dá a cara. Ufa! Ela faz-se ao público, dá o primeiro grito
e mede a pulsação da plateia, que corresponde com forte ovação.
Está criado o cenário para a realização de um show inesquecível.
Ciente disso, a cantora, que mais DVD vendeu no mundo em
2008, surge à baiana, com axé no pé, como se estivesse num dos
típicos trio eléctricos dos Carnavais do Brasil. "Alô Luanda. Joga
os braços pra cima. Esse show vai bater", promete.
O começo foi com "Abalou", o mesmo tema que deu início ao seu
famoso concerto
no Maracanã, onde a musa agitou, em 2005, mais de 60 mil
espectadores; o dobro da
plateia de sábado, na Cidadela. A organização previa chegar perto
das 23 mil pessoas.
Ivete queria repetir o mesmo formato, a mesma apresentação do
Multishow no maior estádio brasileiro, mesmo sabendo que, daqui,
não sairia a gravação de qualquer álbum.
Por já conhecer o povo luandense, ela muda ligeiramente o guião
do DVD ao vivo.
O primeiro bloco foi mexido. "Abalou, abalou, sacudiu, balançou..."
foi o primeiro refrão cantado em uníssono. Com a mesma garra
saiu "Festa", também interpretado por todo estádio. Com o coro
"avisou, avisou, avisou, avisou, que vai rolar a festa, vai rolar,
o povo do gueto mandou avisar..." Ivete enlouquecia mais de 17
mil almas.
Na hora de "Sorte Grande" só deu pulo. Ela canta "poeiraaa,
poeiraaa, poeira, levantou poeira". Por altura desse refrão, já a
plateia havia sido dominada. Mas a cantora não diminui a
intensidade. Solta "Não quero dinheiro" e logo a seguir outro
sucesso de levantar multidão, "Pereré", que não consta do DVD do
Maracanã.
Depois cantou outros quatro temas, até a altura de "Carro Velho".
O segundo bloco
também foi agitado, mesclado entre samba, axe, samba reggae e
até uns acordes de
kizomba, ritmo de Angola que a cantora afirmou ter aprendido
ainda no avião.
O show vai animado. As luzes, cores, o cenário de alta
tecnologia e figurino
sofisticado do palco, além da presença sempre carismática da
artista, animam a plateia,
que está à altura da estrela brasileira.
Só com os temas mais calmos, como a versão de "Corazón
Partio", de Alejandro
Sanz, "Se Eu Não Te Amasse Tanto Assim" e "Quando a Chuva
Passar" a baiana dá
uma trégua e deixa respirar as quase 17 mil pessoas. Mesmo
assim, todas essas faixas
foram acompanhadas pelos fãs. Estava feita a história do
espectáculo.
Ciente do dever cumprido, Ivete deixou o palco às 23:37, depois
de interpretar
pouco mais de 29 temas. Mas um súbito chamado do público fê-la
regressar e cantar
outros números do seu repertório, com os quais encerrou, em alta,
a "operação Luanda".
Por Elías Tumba
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