Retrospectiva 2004: Rádio Nacional na vanguarda da música angolana
Por: Venceslau Mateus
Luanda, 26/12 - Vinte e nove anos depois da independência, a música angolana
produzida nas décadas de 40, 50, 60 e 70 voltou à ribalta no decurso de 2004, fruto da
determinação e empenho dos profissionais da Rádio Nacional de Angola (RNA), que através do seu
programa Caldo do Poeira não mediram esforços e deram aos apreciadores dos ritmos nacionais a
oportunidade de reviver ao gosto do bom som de Angola.
Depois de longos anos votada ao abandono ou ao esquecimento, a RNA e o Centro Cultural
Recreativo Kilamba uniram esforços e num ápice juntaram o útil ao agradável: levar os kotas e os
jovens a reviver e conviver com ritmos que mexeram e continuam a mexer com os angolanos nas
pistas de dança do país, dando mostras de que apesar de "velha", ela ainda é uma referência no
music hall angolano.
Não sendo o seu principal objecto social, a RNA deu, desta forma, o seu contributo na luta pela
recuperação dos valores culturais do país. Os custos de produção de cada edição do Caldo do
Poeira, incluindo o pagamento aos músicos convidados, material de trabalho e outros serviços, estão
avaliados em aproximadamente 50 mil dólares.
Aqui, regista-se o esforço da RNA, que de uma empresa de utilidade pública passou igualmente
a assumir o papel de incentivador e força motriz na luta pela preservação do mosaico cultural do
país, pois, só assim se entende que mesmo apesar dos problemas vividos ainda se desdobra em
outras vertentes.
Apesar de não se conhecer os valores gastos este ano pelo Kilamba, o parceiro da RNA nesta
luta na compra da alimentação e bebidas, reconhece-se ter sido feito um esforço gigante para
garantir aos usuários da casa um serviço de qualidade.
Nem mesmo o elevado preço que resultou na organização do evento ao longo do ano, obrigou
tanto a RNA como o Kilamba a recuarem na intenção, num esforço suplementar e com a ajuda de
alguns patrocinadores foi dada a cada apreciador da música angolana a oportunidade de imaginar em
algum centro recreativo nos anos 40, 50, 60, 70 ou 80, numa autêntica luta contra o
desaparecimento da memória musical dos angolanos.
A iniciativa, que deveria ter saído dos "laboratórios" de instituições vocacionadas a divulgação,
valorização e projecção da cultura de Angola, trouxe de volta os bons "velhos" tempos dos
centros recreativos do país, em geral e, em particular da capital angolana.
Esta empreitada tem o seu valor redobrado por ter permitido igualmente aos mais velhos
recordarem as noites no Marítimo da Ilha, Mãe Preta, Maria da Escrequenha (actual Kilamba),
Desportivo de São Paulo, Maxide e outros que se tornaram, na altura, nos centros de reencontro
dos angolanos aos fins de semana.
Nunca, em 29 anos de independência, os angolanos viram ou viveram um movimento tão intenso
e bem sucedido direccionado a divulgação dos ritmos produzidos e tocados por David Zé, Urbano
de Castro e Artur Nunes, já falecidos, Bonga, Paulino Pinheiro, Elias Dya Kimuezo, Ngola Ritmos,
Negoleiros do Ritmo, Os Bongos e tantos outros artistas e grupos que em plena ocupação colonial
encontraram na música a arma para lutar contra os opressores.
Se a intenção era recuperar o que de melhor se produziu musicalmente em Angola, os
organizadores conseguiram ganhar a batalha, pois, a prova dos factos foi confirmada com a
avalanche de pessoas que se deslocaram este ano ao Kilamba, o local escolhido para a
"peregrinação" dos últimos domingos de cada mês para ver e ouvir ao vivo a música e os ídolos
de sempre a exibirem-se num palco criado para o efeito.
Embalados na onda dos organizadores, o público não se fez rogado e em jeito de concordância
com a iniciativa, marcaram presença em massa no Kilamba ou em outro centro cultural do país, onde
em cada último domingo do mês "brigaram" por um lugar estratégico de forma a poderem ver e ouvir
melhor a exibição dos convidados/homenageados do dia à boa maneira angolana.
Em Luanda, cada edição do caldo cerca de quatro centenas de convivas deslocam-se ao
Kilamba, para desfrutarem de quatro horas de caldos preparados com garoupa, farinha musseque,
feijão de óleo de palma, peixe carapau frito, mandioca e banana pão fervida, quitutes preparados ao
requinte e ao gosto do angolano e acompanhados de marcas de vinhos de adegas famosas
portuguesas, de marcas de cerveja e refrigerantes nacionais, sem esquecer a boa música.
Dos nove programas realizados em Luanda, em 2004 destaca-se o Caldo de homenagem a
Barceló de Carvalho (Bonga), ocorrido em Setembro por ter arrastado ao local aproximadamente
600 pessoas.
Movidos pela intenção de ouvir, por exemplo, Gaby Moy cantar temas do seu falecido irmão
David Zé exigiu dos frequentadores do espaço, um esforço financeiro suplementar, já que o ingresso
estava cotado ao equivalente em Kwanzas a 30 dólares, bem como obrigados a chegar cedo
(sete horas) ao local para melhor se posicionarem.
Mas, para os espectadores parece ter valido a pena o sacrifício, pois para recordar o passado
da música angolana não importava se ficavam em longas filas que se registaram à porta do
Kilamba ou os empurrões, muitas vezes causados pelo porteiro de serviço, que de forma
autoritária não olhava a meios, nem a quem para levar a cabo o seu trabalho.
A RNA e o Kilamba estão de parabéns pela iniciativa, pois num ápice conseguiram recuperar
os ritmos nacionais de raiz e consequentemente levaram o público a relembrar temas do cancioneiro
angolano que o tempo não conseguiu apagar.
A par de Luanda, a RNA levou igualmente o caldo as províncias de Cabinda, Benguela,
Namibe e Bengo, esta última que teve o privilégio de receber o programa por duas ocasiões.
Ainda a propósito da promoção e divulgação da música angolana, apesar de se tratar de um
evento em que se reconhece o desempenho dos criadores da actualidade, deve-se igualmente
parabenizar a Luanda Antena Comercial (LAC), pelo trabalho que vem desenvolvendo nos últimos
sete anos, com a realização do festival da canção de Luanda.
Ano após ano a LAC vem dando aos músicos e compositores a oportunidade de colocarem em
evidência os seus dotes de escritores, premiando os melhores como forma de incentivar a
continuidade desta luta em prol da cultura angolana, em particular da música.
|