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A União da África

Das origens à OUA*

Aquilo a que se chamou a "longa marcha" da África para a sua unidade começou no crepúsculo do século XIX e no despontar do século XX.

Já em 1988, num discurso de inauguração do Liberian College, em Monróvia, o Dr. Edward W. Blyden, antilhano descendente de escravos oriundos do Togo, declarava: "A promoção dos Africanos deve ser realizada por métodos que lhes sejam próprios. Eles devem possuir um potencial distinto do potencial dos europeus (...) Devemos mostrar que somos capazes de avançar sozinhos, de abrir o nosso próprio caminho (...)"

A ideia de unidade africana deu a volta ao Atlântico. Brotada, como um mito racial, das entranhas daqueles que eram os mais alienados, em África e sobretudo entre os descendentes dos escravos negros nas Caraíbas e nos Estados Unidos, fará escala na Europa e voltará à terra-mãe para se lançar em direcção aos Estados Unidos, em particular à ONU, repetindo o mesmo caminho triangular do comércio negreiro. De neto mito racial, esta visão transformar-se-á cada vez mais numa ideia motora que se realizará em estruturas concretas nos planos cultural, sócio-económico e político.

Vejamos estas diferentes etapas, que se podem esquematizar da maneira seguinte:

· Até 1957 é a fase de gestação, que se desenrola, a maior parte do tempo, no quadro americano e europeu.
· De 1957 (data da independência do primeiro Estado negro, Gana) até 1963 é a fase ascensional de cristalização política de ofensiva contra o colonialismo, culminando com a criação da Organização da Unidade Africana (OUA), em Adis Abeba, e isso apesar das fortes ameaças da primeira crise do Congo (Zaire), que põe a nu e acusa as divergências entre a África "revolucionária" e a África "moderada".
· A partir de 1963, a ideia de unidade não avança e procura o seu caminho, apesar das realizações positivas que se traduzem pela resolução de conflitos internos entre os próprios protagonistas da unidade, por exemplo a propósito do conflito argelo-marroquino e da segunda crise do Congo (Zaire).

Depois de ter analisado estas etapas, veremos o caminho andado em matéria de organizações de massas e terminaremos pelas dificuldades e pelas perspectivas de realização desta ideia.

Já em 1895, Booth, um pastor britânico que se encontrava na Niassalândia, escrevia um livro intitulado "A África para os Africanos". Declara nomeadamente: "O Africano só é inferior num ponto: não tem o sentido do oportunismo". A ideia de Booth, comunicada primeiro ao nacionalista John Chilembwe, afirmou-se em Janeiro de 1897, em Blantyre, pela criação de uma União Cristã Africana, que adoptou a palavra de ordem : "A África para os Africanos." Recebeu o apoio entusiasta de negros sul-africanos como Kavuma Tembula e Salomon Kumano. "Os Africanos", diziam eles, devem-se unir e trabalhar pelo seu próprio futuro, tanto político como económico e espiritual." E isso "por métodos em conformidade com a lei e a fé". Definindo, aliás, de modo mais preciso o seu pensamento, falavam em "modelar e guiar o trabalho de milhões de africanos, de maneira a encaminhá-los para a exploração dos recursos dados por Deus à África, para a elevação do nível de vida e do bem-estar do povo, e não para favorecer o enriquecimento de um pequeno número de europeus já ricos".

Ora não tarda a surgir a desinteligência entre os nacionalistas negros e o pastor Booth, que foi ele próprio alvo de suspeitas, como branco, depois de um debate na União Cristã Africana, que durou vinte e seis horas e meia.

Mas é nas Antilhas e nos Estados Unidos que a ideia vai germinar com mais vigor. Em 1900, H. Sylvester Williams, advogado de Trinidad, organiza a primeira conferência pan-africana, a fim de suscitar um movimento de solidariedade a favor dos negros colonizados. Assistia a essa concorrência um homem que há mais de meio século devia militar pelo pan-africanismo, o Dr. W. E. B. Du Bois, negro americano, que escreverá: "Naturalmente, a África é a minha pátria." Declarava ele também em 1897, no decorrer do Congresso de Londres:
"Se o Negro devesse um dia desempenhar um lugar na história do mundo, seria graças a um movimento pan-negro."

Du Bois era, acima de cima, um intelectual. Aquele que primeiro vai divulgar a ideia, torná-la popular, é Marcus Garvey, jamaicano truculento e exuberante, que considerava a pele do mestiço Du Bois demasiado pálida para um negro. No quadro da Associação Universal para a Promoção dos Negros, lançou a palavra de ordem de "regresso à África".

Garvey lançou-se febrilmente na criação de organismos que concretizassem a ideia fixa à qual se devotara profundamente: um império racial africano, de que se proclama presidente provisório, um Parlamento Negro, uma Liga Marítima da Estrela Negra. E imaginou um Paraíso em que os anjos eram negros e os demónios brancos.

Não hesitou em colaborar com os racistas do Ku Klux Klan, que como ele, mas por razões inversas, preconizavam que os Negros americanos fossem mandados para a África. A vida tempestuosa de Garvey foi marcada pela prisão e acabou obscuramente em Londres, em 1900.

Entretanto W. E. B. Du Bois, que fundara, por seu lado, a Associação Nacional para a Promoção das Gentes de Cor, tornava-se a trave mestra dos congressos pan-africanos que se realizaram sucessivamente em Paris em 1919, em Londres e em Bruxelas em 1921, em Londres e em Lisboa em 1923, em Nova Iorque em 1927. A partir do encontro de Bruxelas que se falou de self-governement e de autonomia interna para os países africanos.

De racial, a ideia pan-negrista tornava-se uma reivindicação política bastante precisa. Isso se confirmou sobretudo depois da segunda guerra mundial, no Congresso Pan-Africano de Manchester, presidido por Du Bois, onde era nítida ainda a predominância dos pretos anglófonos. Pela primeira vez, porém, contrabalançam os próprios Africanos a influência dos Negros americanos, graças à presença de homens como Kwame Nkrumah,Wallace Johnson, da Serra Leoa, e Jomo Kenyatta. Os temas anti-imperialismo e anticolonialismo vêm ao de cima e é pela primeira vez explicitamente reivindicada a independência nacional, tudo isto no quadro de uma opção socialista ou socialista-marxista.

Durante este tempo ficará a ideia pan-negrista confinada, entre os africanos francófonos, essencialmente à noção literária da negritude, que levará em 1956 ao Primeiro Congresso Mundial dos Escritores e Artistas, reunido na Sorbonne um ano antes de o primeiro Estado negro atingir a soberania internacional: Gana.

De 1957 a 1963 é a via ascendente, tão penosa, das primeiras realizações políticas. Esta fase será marcada por diversas tendências:
a) A criação de grupos regionais mais ou menos efémeros, mais ou menos estruturados.
b) O debate em torno do conteúdo e do quadro da unidade. Todos os países estavam de acordo em acelerar a libertação das terras africanas ainda colonizadas, mas certos Estados insistiam muito especialmente na descolonização no interior dos próprios países juridicamente libertados, na necessidade do laço político orgânico, única garantia da unidade real, na necessidade de encarar essa unidade no quadro continental. Estas ideias deviam encontrar a oposição da África "moderada" e as duas tendências iam-se afrontar vivamente a propósito da questão conguesa. Mas um desanuviamento permitiu, no fim desta fase, o êxito da Conferência Cimeira de Adis Abeba.

Em I957, as festas de independência de Gana proporcionaram uma ocasião única para que se pudessem juntar homens políticos africanos. Foi lançada nessa altura a ideia de um encontro dos Estados africanos independentes. A República da África do Sul, convidada, recusou, salvo se as outras "potências responsáveis" em África, isto é, as potências coloniais, fossem também convidadas... As coisas ficaram por ali e a conferência reuniu-se em Abril de 1958, em Acra. Foram ouvidos como peticionários delegados dos movimentos nacionalistas (FLN da Argélia, Juvento do Togo, UPC dos Camarões) e foram apoiadas resoluções a seu favor. Nesse mesmo mês, cm Tânger, encontraram-se os representantes dos três principais partidos de Marrocos, da Argélia e da Tunísia para discutirem a formação de uma federação e criaram uma Assembleia Consultiva do Magrebe Árabe, onde estava representada a FLN, mas que, na prática, não chegou a funcionar.

Entretanto, o grupo africano na ONU empregou o termo guerra para qualificar as hostilidades que ensanguentavam a Argélia e a propósito das quais se cultivara até aí a ficção de acções internas de policiamento por parte da França. O mesmo grupo africano conseguira obter, em 1957, do Conselho Económico e Social da ONU a criação de uma Comissão Económica para a África (CEA), não obstante a oposição dos delegados dos países coloniais, que colocavam em primeiro plano a existência da Comissão para a Cooperação Técnica na África ao Sul do Saara (CCTA).

Só após um debate acalorado foi decidida a composição da CEA com representação dos países coloniais e definida a sua competência. Foi, por fim, aceite que a Comissão se ocupasse também do "desenvolvimento social".

Até ao ano da independência (1960) foram empreendidas tentativas, com resultados mais ou menos positivos no plano bilateral ou multilateral, governamental ou paraestatal para os países caminharem em conjunto para a independência ou para os Estados recentemente libertados se associarem. Paralelamente a estes acontecimentos, desenrolava-se um debate político fundamental sobre a prioridade lógica ou crono1ógica a dar a uma ou outra destas ideias: independência e unidade. Dever-se-ia considerar a unidade como vinda após a independência, ou o contrário? Anos ardentes, marcados pela febre do pensamento e da acção.

Em Setembro de 1958, em Mwanza (Tanzânia), à beira do lago Vitória, era criado por dirigentes do Quénia, da Uganda, do Tanganhica, da Niassalândia e de Zanzibar o PAFMECA (Pan-African Freedom Movement for East and Central Africa). Objectivos: coordenar os seus movimentos para sacudir o jugo colonial, preparar as vias de uma futura federação da África central que se estendesse da Somália à Rodésia.

Em Novembro de 1958, imediatamente após a independência da Guiné, Gana estabelecia com ela uma União, união anunciada por um comunicado conjunto: "Inspirados pelo exemplo das treze colónias americanas e pela tendência dos países da Europa, da Ásia e do Médio Oriente", decidiam os dois Estados constituir o núcleo de uma União dos Estados do Oeste Africano.

Na prática, quase nenhuma estrutura institucional veio concretizar esta declaração. Realizou-se, de facto, uma troca de ministros residentes, que participavam nos conselhos de governo dos dois países. Mas houve sobretudo uma ajuda financeira de Gana à Guiné e uma solidariedade diplomática.

Assim, parecia ter sido quebrada pela primeira vez a barreira linguística que divide a África com base em culturas europeias, e isto em proveito da afinidade ideológica pan-africana. Persistiria, no entanto, um obstáculo importante: Gana e a Guiné não têm fronteiras comuns.

Depois disto, a Conferência Geral dos Povos Africanos reunia, não já os chefes de Estados independentes, mas delegados dos partidos, movimentos políticos e sindicatos de 28 países quase todos ainda colonizados. Era em Dezembro de 1958. O presidente deste vasto ajuntamento das forças vivas da política africana declarava sem rodeios logo de início: "O problema não está em saber se queremos a independência, mas em como a conquistar." Após dias de discussões ardentes no seio das comissões, foram votadas resoluções, não incendiárias, mas firmes. Foi indicado como objectivo final a Comunidade dos Estados Africanos Independentes, mas as federações regionais eram consideradas como um primeiro passo para este fim, sob condição de não comprometerem o objectivo final.

Era endereçada uma moção de apoio ao Governo Provisório da República Argelina (GPRA). Quanto aos Camarões, onde a UPC travava uma guerra de guerrilhas, pedia a Conferência a amnistia para os chefes da oposição e eleições sob a supervisão da ONU antes da independência. Outros textos propunham a criação de organismos pan-africanos para os sindicatos, os jovens, as mulheres, e o estabelecimento de um Centro Africano dos Movimentos de Libertação. Foi instalado em Acra um secretariado permanente da Conferência, sob a direcção de Georges Padmore, depois, após a morte deste, de Abdulaye Diallo (Guiné).

No decorrer das sessões tinha-se desenrolado um empolgante doutrinário sobre a violência, durante o qual os membros da delegação argelina, em particular Frantz Finon, se constituíram advogados apaixonados até as lágrimas. Por fim, a Conferência admitiu a legitimidade da violência, reconhecida como única solução em certos casos.

Em suma, a Conferência dos Povos Africanos em Acra foi uma ocasião sem igual para os dirigentes políticos se juntarem. Entre eles figuravam nomes que iam daí a pouco ser lançados à face do mundo. Por exemplo, o chefe da delegação conguesa, Patrice E. Lumumba.

O ano de I959 será justamente um ano de ensaios para agrupamentos regionais. A 17 de Janeiro, 44 representantes do Senegal, do Daomé, do Sudão e do Alto Volta pronunciaram em Dacar o juramento dos federalistas, juramento repetido numa atmosfera de pacto de sangue pelos participantes, depois de Modibo Keita, presidente da Assembleia Federal. A constituição do novo conjunto, votada por unanimidade e por aclamação, previa três instâncias estaduais supremas:
o Um poder executivo federal com um chefe do Estado c do Governo, escolhendo os seus ministros na proporção de dois por Estado membro.
o Um poder legislativo que consistia numa assembleia legislativa eleita por cinco anos, na proporção de doze deputados por Estado, designados pela Assembleia Legislativa de cada país membro.
o Um poder judicial, enfim, com um tribunal federal independente dos poderes executivo e legislativo. Era a primeira versão da Federação do Mali, que suscitou um entusiasmo vibrante através dos países da savana. Era uma "federação do amendoim" que englobava 60% da população da antiga África Ocidental Francesa. Mas a retirada do Alto Volta (onde as autoridades davam o dito por não dito) e do Daomé (onde H. Maga substituía S. M. Apithy) forçava o Mali a ficar sozinho o Sudão-Senegal. Por razões económicas, psicológicas e externas, iriam também se separar em breve. Um Mali quadripartido teria sem dúvida sido mais viável.

Pouco depois nascia, sob o patrocínio do presidente Huphuet Boigny, a União Sahel-Benim ou Conseil de l'Entente, que por alguns foi apresentado como o Antimali. Não era, em princípio, uma federação política, mas uma organização intergovernamental de coordenação saída dos protocolos entre a Costa do Marfim e os países vizinhos : Alto Volta e Níger e, mais tarde, Daomé e Togo.

Em 30 de Maio de I959 era criado em Abidjan o Conseil de l'Entente. Previam-se conferências periódicas dos primeiros-ministros, dos presidentes das assembleias e dos ministros. E também um fundo de solidariedade interestados e uma união aduaneira "total", com repartição dos direitos e taxas cobrados. Esta última disposição ficará praticamente letra-morta.

Além disso, era instituída em Paris, em Janeiro de 1959, a Union Douaniére des Etats de l`Afrique Equatorale et du Cameroun (U.D.E. A.C.).Visava a harmonização dos direitos aduaneiros, 20% dos quais deviam servir para alimentar um fundo de solidariedade interestados. Deviam ser postos em comum os Correios e Telecomunicações, assim como os Transportes. Mas nesse campo também as realizações ficaram muito aquém dos votos expressos.

Ainda mais inconsistente foi o sonho ambicioso de Boganda (República Centro-Africana), que, insistindo no erro geográfico dos colonos, tinha em vista reunir a África Equatorial Francesa, os Camarões e o Ruanda-Urundi num bloco político, a "África latina", capaz de contrabalançar a África árabe de Nasser e a África britânica. Pelo menos a união dos dois Camarões realizaria a primeira unidade política bilíngue em África.

Em Julho de 1959, em Sanniquellé (Libéria), Gana e a Guiné encontram-se com a Libéria e criam a Comunidade dos Estados Africanos Independentes, instituição que ficará sem efeitos práticos. O casamento parecia, de resto, difícil entre a velha Libéria instalada numa independência estreitamente "protegida" pelo Tio Sam, e os dois Estados recentemente emancipados, onde estava na ordem do dia a acção positiva para a personalidade africana. Celebrou-se, portanto, um compromisso que encurtou o campo de acção dos dois Estados militantes. Teve de se afrouxar a marcha para as estruturas políticas pan-africanas e usar maneiras cautelosas para reconhecer os movimentos de combate nas países independentes de África. Em contrapartida, devia-se sublinhar a luta anticolonial. Desenhava-se já a linha de demarcação entre a África dura ou militante e a África branda do compromisso, do "realismo" e do "possível". Mesmo no quadro menos oficial da Conferência dos Povos, em Janeiro de 1960, em Tunes, os delegados do Action Group da Nigéria desempenharão o mesmo papel de início no caminho do pan-africanismo.

Iria a África unir-se num todo e mobilizar-se para um desenvolvimento independente? Ou iriam se individualizar diferentes Estados e encontrar-se no âmbito de uma regra de jogo antes de mais nada protectora das soberanias adquiridas e moldadas no quadro geográfico colonial? Esta pergunta vai-se pôr com toda a agudez a partir do ano da independência (1960) e a nova fase (1900-1963) será de confrontação a propósito da resposta a dar-lhe e isso através das tentativas de agrupamentos cada vez mais vastos até a Conferência da Organização da Unidade Africana (OUA) em Adis Abeba, em 1963.

Na Segunda Conferência dos Estados Africanos Independentes, em Adis Abeba, em 1960, será excluída a questão do apoio à U. P. C. por causa da presença na mesa de conferências do presidente Ahidjo, chefe de Estado dos Camarões. A UPC declarava amargamente: "Daqui em diante, a solidariedade africana será cada vez mais um sentimento ao serviço do imperialismo se, como em Adis Abeba, os governos verdadeiramente independentes procurarem a unidade a qualquer preço". Mas não tinham a maior parte dos Estados também uma UPC Em acção ou em potência no seu próprio território?

A delegação da Nigéria, por seu lado, rejeitou a ideia de unidade política de Gana, preferindo a ideia de cooperação concretizada no projecto de criação de dois bancos interafricanos para o desenvolvimento e o comércio da Libéria e da Costa do Marfim. Em contrapartida, foi aprovado com vigor o corte das relações diplomáticas com a República da África do Sul e o boicote das relações aéreas e comerciais com este país, embora nem sempre estas medidas hajam sido aplicadas na prática. E também uma acção no Tribunal Internacional de Justiça contra a África do Sul por violação do mandato da Sociedade das Nações.

Além disso, o desmembramento dos antigos agrupamentos políticos coloniais (África Ocidental Francesa, África Equatorial Francesa, Federação da África Central etc.) vai trazer consigo uma dispersão que irá complicar ainda mais o emaranhado político e as tentativas de reagrupamento.

Mas o acontecimento decisivo neste campo é a primeira crise conguesa, que precipita a coligação da África branca do Sul (Portugal, Rodésia, República da África do Sul) para deter o processo de libertação anticolonial. Por outro lado, vão-se aprofundar as dissensões no interior do grupo dos Estados africanos independentes. Enfim, a intervenção activa dos Estados Unidos no coração do continente africano constituirá um facto novo, de muito importante significado.

Na conferência preparatória dos ministros africanos dos Negócios Estrangeiros, reunida em Agosto de 1960 em Léopoldville a pedido de Lumumba, em conflito com a ONU, a maior parte dos países africanos francófonos, recentemente chegados à independência, estavam ausentes, isso não obstante o apelo de Bourguiba. Os delegados presentes optaram pela unidade do Congo e por um encontro africano ao mais alto nível antes do debate da ONU, mas mostraram repugnância, salvo a Guiné e o GPRA, em fornecer ao governo central um auxílio militar directo. Já se desenhavam nitidamente dois grupos : os militantes e os "moderados", os falcões e as pombas. Entre as pombas havia mesmo alguns patos a esquivarem-se...

Com efeito, na ONU, o grupo africano cindia-se em três a propósito do Congo. Uns eram por Lumumba, depois por Gizenga; outros, por Kasavubu; outros, enfim, por Tchombé. O Congo era longe, mas todos os africanos, incluindo as crianças das escolas, se sentiam estreitamente ligados a ele.

Em Outubro de 1960, o presidente Huphuët Boigny convidou os países francófonos a debaterem a posição comum a tomar na ONU sobre as questões do Congo, da Argélia e da Mauritânia. A Guiné recusou-se. O Togo pôs como condição para a sua participação a presença dos países do Magrebe. O Mali limitou-se a mandar um observador, ao passo que Madagáscar se recusava a ir discutir o problema argelino, que considerava um problema estritamente interno da França.

Os onze países que participaram foram os do Conseil de 1'Entente, da antiga África Equatorial Francesa, aos quais se juntavam os Camarões, o Senegal e a Mauritânia. A conferência decidiu-se pelo apoio a Kasavubu, pela solidariedade com a Mauritânia e por uma posição maleável sobre o problema argelino, para não ir de encontro às teses franceses.

De 15 a 19 de Dezembro, em Brazzaville, os onze países representados em Abidjan passaram a doze, com Madagáscar. A Conferência criou a União Africana e Malgaxe (UAM). Esta propunha-se procurar uma espécie de paz africana. Tal paz - declaravam os Estados da UAM - só podia assentar na não ingerência nos assuntos internos dos Estados, na cooperação económica e cultural numa base de igualdade e, enfim, numa "diplomacia concertada".

Tratava-se, portanto, na verdade, de um bloco político que só reunia países francófonos e que a Guiné e o Mali não tardaram a denunciar como sendo uma "sobrevivência do colonialismo".

Em Março de 1961, em Yaondé, a segunda conferência de alto nível dos doze criou a Organização Africana e Malgaxe de Cooperação Económica (OAMCE), no sentido de "reforçar a solidariedade profunda e a vontade de estreita cooperação dos Estados africanos e malgaxe e de lhes permitir acelerar a elevação do nível de vida das suas populações". Mas foi em Tananarive, de 6 a 12 de Setembro de 1961, que ficou assente o dispositivo de conjunto da "Commonwealth à francesa". Foram criados quatro secretariados : um secretariado-geral da UAM em Cotonu, um secretariado-geral e comissões técnicas da OAMCE em Yaundé, um secretariado-geral da Defesa Comum e um estado-maior combinado em Uagadugu, um secretariado-geral para a coordenação das telecomunicações em Brazzaville.

As conferências de Bangui (Março de 1962), de Libreville (Setembro de 1962) e de Uagadugu (Fevereiro de 1963) nada acrescentarão fundamental a esta estrutura, a não ser que as convenções entre os Estados serão bem claras e adoptadas e que a UAM passará a ter uma bandeira. O seu secretário-geral, muito activo, Albert Tevoedjré, levou a cabo missões nos países anteriormente sob controlo belga. O Ruanda aderiu rapidamente à União.

Mas, entretanto, em face do bloco francófono "moderado", também a África dura se organizava, sem chegar todavia a estruturas tão permanentes como as do grupo moderado, talvez por causa da personalidade muito acentuada dos seus dirigentes, talvez por causa das estruturas nacionais (ideológicas e sócio-económicas) já muito afirmadas.

Em Janeiro de 1961, por convite de Mohammed V, Gana, a Guiné, a República árabe Unida, O Mali e o Marrocos discutiam os termos de uma "carta africana", chamada Carta de Casablanca. O objectivo era a consolidação da cooperação entre Estados, mas dava-se o relevo especial aos problemas políticos. Tratava-se de "fazer triunfar as liberdades em toda a África, de realizar a sua unidade; e isso no quadro do não alinhamento, da liquidação do colonialismo e do neocolonialismo sob todas as suas formas." Encarava-se também, logo que estivessem reunidas condições para isso, a criação de uma assembleia consultiva africana e de uma comissão política africana. Esta carta será assinada no Cairo.

Em Abril de 1961, Gana, a Guiné e o Mali constituem em Acra a União dos Estados Africanos, embrião dos Estados Unidos de África, aberta a todos os Estados ou federação de Estados de África e tendo como princípio a Carta de Casablanca. Condenava ela toda e qualquer forma de reagrupamento baseado nas línguas das potências coloniais. Haviam-se erguido portanto dois blocos, falando um de cooperação e de progresso económico, em suma, de aliança para o progresso no respeito de cada um dos parceiros e sem pôr em causa de maneira radical a natureza das relações entre a África e o Ocidente. O outro, preocupado em afirmar e assentar a personalidade africana, opondo-a à Europa, ainda há pouco colonial, e ao Ocidente, com freqüência neo-colonial, punha em primeiro plano a revolução política africana, que devia assegurar o progresso sócio-económico. Modificar a África, transformando radicalmente as suas relações de dependência com o mundo, tal era o programa.

Mas como unir a África no momento em que a crise conguesa revelava às escâncaras a sua divisão trágica?

O grupo de Casablanca apoiava Lumumba. O PAFMECA optava no mesmo sentido. Colocados em minoria na ONU, que escolheu apoiar Kasavubu, em conformidade com os desejos da África "moderada", os países africanos do grupo de Casablanca, que tinham ainda tropas no Congo, interrogaram-se sobre o interesse que poderia haver em deixar os seus homens naquele imbróglio. A Guiné e o Mali já se tinham retirado. Marrocos propunha-se fazer o mesmo. A República Árabe Unida pensava nisso também. Apenas Gana salientava que a retirada geral deixaria o campo livre aos anti-lumumbistas. Este argumento convenceu Nasser. O assassínio de P. Lumumba estimulará a determinação do grupo de Casablanca. Mas o novo presidente dos Estados Unidos, J. F. Kennedy, meteu decididamente o seu país na questão conguesa. Trabalhou para a aproximação de Kasavubu e dos lumumbistas (Gizenga) a expensas de Tchombé, contra quem o Conselho de Segurança autorizou o emprego das forças da ONU. Adoula, entretanto primeiro-ministro, pôs termo ao duelo Léopoldville-Stanleyvillc. Ora a conferência da UAM cm Tananarive (Março de 1961) convidava ao mesmo tempo Kasavubu e Tchombé e preconizava uma confederação conguesa, consagrando praticamente a secessão catanguesa. A Conferência dos Povos Africanos do Cairo, animada pelos países do grupo de Casablanca, replicou exaltando a memória de Lumumba, que foi sagrado herói africano, c classificando os Congueses em dois campos: os imperialistas, dirigidos por Kasavubu c Tchombé, por um lado; e, por outro, os nacionalistas africanos, constituídos pelos lumumbistas dirigidos por Gizenga. No Cairo, a ala avançada da Conferência era formada pelos movimentos revolucionários de oposição dos países independentes : UPC, dos Camarões, Sawaba, do Níger, União Nacional das Forças Populares (UNFP), de Mehdi Ben Barh, em Marrocos.

Este encontro, que foi o último do género, dera uma definição do neocolonialismo e da unidade africana. O neocolonialismo foi apresentado como uma "sobrevivência do sistema colonial, a despeito da independência política formal. Esta definição aproximava-se daquela que fora dada pelo presidente Modibo Keita: O neocolonialismo verifica-se quando um país independente é gerido indirectamente pela sua antiga metrópole, por intermédio de traidores que ela guindou ao poder."

Por outro lado, o conceito de unidade africana foi definido como não sendo uma unidade a qualquer preço e para não importa que objectivo. Tratava-se de um agrupamento anti-imperialista, pela paz mundial, tendo em vista a libertação e o progresso político e económico africano, sob uma direcção política única. No entanto, não era enunciado o quadro estrutural preciso.

O grupo de Brazzaville vai reagir, tentando estender à sua influência geográfica para além da zona linguística francófona. Em Maio de 196I a Conferência de Monróvia reunia vinte países africanos : os doze da UAM, mais a Etiópia, a Libéria, a Líbia, a Nigéria, a Serra Leoa, o Togo, a Tunísia, a Somália. Foram definidos pelos participantes seis princípios directores :
a) Igualdade absoluta dos Estados, qualquer que seja a sua superfície, a sua população e a sua riqueza;
b) Não ingerência recíproca nos assuntos internos dos Estados;
c) Respeito pela soberania de cada Estado e do seu direito inalienável à existência e ao desenvo1vimento da sua própria personalidade;
d) Condenação dos focos de subversão alimentados em certos países por Estados independentes;
e) Instauração de uma cooperação baseada na tolerância, na solidariedade e na recusa de toda e qualquer leadership por parte de qualquer dos Estados membros;
f) Unidade compreendida, não como uma integração política, mas como uma consonância de aspiração e de acção.

Acentuava-se portanto, em particular, a necessidade de proteger as novas soberanias no quadro de uma espécie de Santa Aliança.

Alguns meses depois, o grupo revolucionário conseguia fazer que Cyrille Adoub, do Congo-Léopoldville, fosse à Conferência dos Países não alinhados, em Belgrado (Setembro de 1961). Deslocou-se, de resto, aí em companhia de Gizcnga.

Em princípios de 1962 esboçavam-se portanto possibilidades de diálogo entre os dois grupos. Foi tentada em Lagos, cm Janeiro de 1962, a possibilidade de reunir uma conferência ao mais alto nível. Mas o grupo de Monróvia encontrou-se ai isolado. Porque, não havendo sido convidado o Governo Provisório da República Argelina (GPRA), aconteceu que o grupo de Casablanca e todos os países da África do Norte sc abstiveram de comparecer à última hora. A Conferencia de Lagos mais não fez do que reafirmar os princípios de Monróvia, sobretudo em matéria de subversão de origem externa. Mas a Etiópia empenhou-se em reagir contra a cristalização dos blocos, reclamando a sua ligação com um só grupo: o grupo africano.

Com a Somália juntava-se ela daí a pouco ao PAFMECA e aos movimentos nacionalistas da África do Sul para constituírem em Adis Abeba um grupo-tampão autônomo: o PAFMECSA (Pan-African Freedom Movement for East, Central and South Africa). Multiplicam-se os sinais de desanuviamento entre os dois grupos. Era assim que o presidente Hamani Diori efectuava uma visita oficial a Gana. Este país retirava o seu pedido de inquérito sobre a morte de Lumumba no Conselho de Segurança. Parecia ganhar cada vez mais preponderância a fase governamental da unidade africana. Um debate de estratégia e de táctica revolucionária opôs então os chefes de Estado dos países militantes e os dirigentes dos movimentos de oposição sem responsabilidades governamentais. Estes últimos davam prioridade à eliminação dos regimes reacionários, enquanto os primeiros tinham em mente, antes de mais nada, a liquidação do regime colonial em África, objectivo que impunha a formação de uma frente unida de todos os Estados e, por consequência, a aceitação de certos compromissos.

A este respeito, a UPC, num artigo de 30 de Maio de 1962 sobre a unidade africana ou o neocolonialismo, declarava: "O caminho da verdadeira unidade africana não está na fusão dos grupos de Brazzaville, Monróvia e Lagos e do grupo de Casablanca. Isso seria uma confusão que só aproveitaria ao neocolonialismo e ao imperialismo."

Em Fevereiro de 1963, num editorial intitulado "A unidade revolucionária", de Révolution Africaine (Argel), Djibo Rakary retomava o mesma tema: "Finalmente, de maneira nenhuma deve a Unidade Africana tornar-se um sindicato de homens no poder a procurarem apoiar-se mutuamente para resistirem às correntes populares." Mas a linha de demarcação entre os dois blocos esbatia-se cada vez mais.'O assassínio de Sylvanus Olympio (Togo), em 13 de Janeiro de 1963, em Lomé, fez surgir perante todos os chefes de Estado o espectro dos "pronunciamientos" militares. Mas as reacções apostas que se seguiram não se harmonizavam com a divisão da África em blocos moderado e revolucionário. Gana, o Senegal e o Daomé reconheciam logo o novo regime saído do golpe de Estado, enquanto a Costa do Marfim, a Nigéria, o Tanganhica, mas sobretudo a Guiné, reclamavam um inquérito. Os dois blocos patenteavam cisões internas a propósito de um acontecimento importante. Era tempo de se encontrarem para fixarem, todos juntos, algumas regras do jogo.

O Nascimento da OUA

Situa-se nesta conjuntura o nascimento da Organização da Unidade Africana (OUA), em Adis Abeba, de 22 a 26 de Maio de 1963.

Encontraram-se na capital etíope, no África Hall, trinta e um chefes de Estado e de Governo africanos.

Era a maior reunião deste género verificada até aí na história contemporânea. A Etiópia, primeiro país independente de África, fazia as honras da casa. Desde a primeira sessão, perante olhares de participantes, jornalistas e observadores, apareceu a silhueta frágil e delicada de um homem seco, já de idade: o imperador Hailé Selassié. Aquele mesmo que se levantara, trinta anos antes, diante do fascismo italiano e herdeiro de uma das mais velhas dinastias do mundo.

Em frases claras, que soavam como o despertar da dignidade reencontrada, dirigiu-se à África. E o velho continente, dobrado sobre si mesmo no sono multissecular da servidão e da alienação, pareceu despertar e redescobrir-se.

"Reunimo-nos para reforçar o nosso papel na condução dos assuntos do mundo e para cumprir o nosso dever para com este grande continente no qual temos a responsabilidade por duzentos e cinquenta milhões de habitantes. O conhecimento da nossa história é indispensável para estabelecer a nossa personalidade e a nossa identidade de africanos. Proclamamos hoje aqui que a nossa maior tarefa consiste na libertação definitiva de todos os nossos irmãos africanos que se encontram ainda sob o jugo da exploração e do domínio estrangeiro... Sejamos isentos de recriminação e de rancor... Que a nossa acção se coadune com a dignidade que reclamamos para nós próprios como africanos, orgulhosos das nossas qualidades próprias, das nossas características e das nossas capacidades. Temos de evitar, antes de mais nada, cair nas ciladas do tribalismo. Se nos dividirmos entre nós numa base tribal, isso constitui um convite à intervenção estrangeira, com todas as consequências nefastas que daí advêm.

"Reconhecendo que o futuro deste continente reside, em última instância, numa reunião política, devemos reconhecer também que são numerosos e difíceis os obstáculos a vencer para lá chegar.

"Por conseqüência, é inevitável um período de transição.... certas organizações regionais devem assumir funções e satisfizer necessidades que não poderiam ser satisfeitas de outra maneira. Mas o que existe de diferente aqui é que reconhecemos estas situações no seu justo valor, isto é, como sucedâneos e expedientes temporários de que nos servimos até o dia em que tivermos atingido as condições que tornem possível a unidade africana total ao nosso alcance... Esta conferência não pode terminar sem a adopção de uma carta africana única. Não nos podemos separar sem criar uma organização africana una, que reúna os atributos que descrevemos. A carta africana de que falamos deve ficar de harmonia com a das Nações Unidas."

Estava dado o tom. Mas a Conferência levou o seu tempo a encontrar a sua inspiração histórica. Na realidade, a África permanecia diversa e variegada, na dispersão geográfica, nas condições sócio-económicas, nas opções políticas e culturais dos seus Estados.

O projecto de carta preparado pela Etiópia e que muitos pensavam poder substituir as cartas de Casablanca e de Lagos, não foi aceite logo de entrada, apesar do trabalho preliminar dos ministros dos Negócios Estrangeiros. É que os participantes permaneciam divididos quanto ao sentido da unidade africana. Certos deles pensavam numa unidade política e orgânica, enquanto outros tinham em vista uma união feita de cooperação técnica e funcional. Uns pensavam em termos de criação imediata; outros previam, segundo as palavras do presidente Huphuet Boigny, "as etapas necessárias".

O presidente Kwame Nkrumah, que acabava de publicar um livro intitulado "A África deve unir-se, entregou-se a uma análise acerca da situação econónica do continente: "Os nossos capitais escoam-se em verdadeiras torrentes para irem irrigar todo o sistema da economia do Ocidente. Durante séculos, a África foi a vaca leiteira do mundo ocidental." Em seguida propôs a criação de um sistema de defesa comum dirigido por um comando supremo africano, um sistema monetário comum, uma planificação continental comum, um mercado comum africano, enfim um governo continental, único meio segundo ele de ultrapassar as contradições entre os Estados e de acabar de vez com as tentativas de reconquista do neocolonialismo e do imperialismo. Só a Uganda apoiou francamente esta visão audaciosa. Milton Oboté exclamou: "Por muito prazer que tenhamos em nos sentirmos inteiramente senhores em nossa casa, parece-me que chegou o momento - o momento até já passou - de os Estadas africanos independentes renunciarem a uma parte da sua soberania a favor de um poder legislativo e de uma instância executiva central em África, investida de poderes específicos para tratar de matérias que seria preferível não deixar ao pendor de políticos individuais. Entre essas matérias citarei a criação de um Mercado Comum Africano, a planificação económica à escala continental, a defesa colectiva, uma política estrangeira comum, um Banco de Desenvolvimento comum, uma zona monetária comum e muitas outras matérias ainda.

Mas os espíritos, e sem dúvida as realidades, não estavam maduros para uma linguagem daquelas. O presidente J. Nyercre declarava: "Dirão alguns que esta carta não vai suficientemente longe ou que não é suficientemente revolucionária. Talvez seja verdade. Mas que significa ir suficientemente longe? Nunca um bom pedreiro se lastimará pelo facto de o seu primeiro tijolo não ter ido suficientemente longe." O presidente Bourguiba continuava por seu turno : "Temos de construir sobre o real, com sabedoria e ponderação. Façamos juntos a aprendizagem da unidade! Precisamos de habituar os espíritos à ideia da unidade e às suas implicações materiais e morais. É necessária uma séria preparação psicológica (...) Aproximava-se assim da posição do presidente L.S. Senghor, que colocava como condição prévia e como base da unidade africana "a tomada de consciência da africanidade, o apelo a uma energia espiritual.

O presidente Tsiranana, por seu lado, insistia na importância dos agrupamentos regionais. Depois de ter declarado claramente: "Madagáscar, perdida no oceano Índico, volta os seus olhos para a África e conta com a sua afeição, acentuava: "Estamos a edificar a casa. Os alicerces são os nossos povos, que existem. É a própria África. As paredes são os grupos regionais, que devem estar solidamente ligados uns aos outros por vigas de betão, e não apenas por um reboco de argamassa que lhes dissimule as fissuras. E o tecto, tão indispensável como os alicerces e as paredes, é a unidade africana, que assentaremos sobre as paredes mutuamente reforçadas."

Após horas de incerteza e expectativa, durante as quais os profetas da desgraça preparavam já a certidão de óbito de uma tentativa falhada, venceu a tese dos moderados, tanto mais que a maior parte dos dirigentes do grupo de Casablanca, em particular Modibo Keita e Nasser, haviam voluntariamente adoptado uma posição maleável para assegurar o êxito da Conferência.

Tanto mais, também, que sobre certos pontos a unanimidade era total. Entre eles, a questão da libertação dos países africanos ainda colonizados e a do regime racista da África da Sul. O presidente Sékou Touré acentuara este ponto : "Enfim, é indispensável que esta Conferência fixe de maneira imperativa a data-limite para a dominação estrangeira em África, data para além da qual as nossas forças armadas deverão intervir directamente no quadro da legítima defesa do continente africano contra os seus agressores. Da mesma maneira, deverá criar um Fundo de Libertação Nacional, para alimentação do qual propomos formalmente 1% do orçamento nacional de cada Estado independente de África, a entregar logo de início do exercício orçamental."

O presidente Ahmed Ben Rella, quanto a si, exclamara: "Falámos de um banco de desenvolvimento. Porque não falámos da criação de um banco de sangue? Um banco de sangue para irmos em auxilio daqueles que se batem em Angola e um pouco por toda a parte em África... Assim, para que sejam libertados os povos ainda sob dominação colonial, aceitemos todos morrer um pouco ou morrer por completo, a fim de que a unidade africana não seja uma palavra vã."

A carta foi assinada, numa atmosfera de fraternidade quase mística, por trinta países. Cria ela, no seu artigo 1, a Organização da Unidade Africana (OUA), que compreende os Estados africanos continentais, Madagáscar e as outras ilhas vizinhas da África.

No artigo 2 são enumerados os objectivos: reforçar a unidade e a solidariedade, coordenar c intensificar a cooperação, defender a soberania dos Estados, a sua integridade territorial c a sua independência, eliminar da África o colonialismo sob todas as suas formas, favorecer a cooperação internacional tendo em conta a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Para isso coordenarão e harmonizarão as países membros a sua política geral nos diferentes sectores da vida dos Estados : política e diplomacia, economia, transportes e comunicações, educação e cultura, saúde, ciência e técnica, defesa e segurança.

O artigo 3 proclama sete princípios de base : igualdade soberana de todos os Estados, não ingerência nos assuntos internos, respeito recíproco da soberania e da integridade territorial, harmonização pacífica dos diferendos, condenação sem reservas do assassínio político e das actividades subversivas, devotamento sem reservas à emancipação total dos territórios ainda colonizados, política de não alinhamento em relação a todos os blocos.

O artigo 7 cria quatro órgãos da OUA: a Conferência dos Chefes de Estado e de Governo, instância suprema; o Conselho de Ministros, que prepara e executa as decisões da Conferência; o Secretariado-Geral Administrativo; a Comissão de Mediação, de Conciliação e de Arbitragem.

São estabelecidas cinco comissões especializadas nos campos seguintes: sector económico e social; educação e cultura; saúde, higiene e nutrição; defesa ; ciências, técnicas e investigação.

Qualquer país independente, compreendido na área definida no artigo 1, pode entrar na OUA e dela sair em conformidade com modalidades determinadas.

Em suma, a Carta consagrava a cooperação de preferência à tese da união estreita (confederação) ou da unidade orgânica (federação). Dera-se um passo no caminho da unidade, mas a longa marcha devia ainda continuar.

A partir de 1963, com efeito, muitos acontecimentos vão pôr à prova o vigor do edifício levantado no África Hall. Já a partir do mês de Julho a UAM se quer reunir no Daomé. Voltava-se a pôr o problema dos grupos c dos blocos. Mas constituía a UAM um grupo regional, formado como era por Estados dispersos de Dacar ao oceano Índico? Constituía um bloco político, tendo, como tinha, objectivos diferentes, até opostos, aos da OUA? A controvérsia subiu de tom a dado momento. Nessa altura, o Governo da Nigéria juntou a sua voz à de Sékou Touré para reprovar a UAM. O presidente Maga replicou que não só a Conferência de Adis Abeba não condenara os grupos regionais, mas que estes, na sua opinião, constituíam a melhor garantia para a Carta. A UAM decidiu-se a dissolver a sua representação colectiva na ONU, mas prosseguiu as suas actividades, incluindo o Togo e assinando com os países do Mercado Comum Europeu, em 20 de Julho de 1963, em Yaundé, uma convenção de associação.

Entretanto, a unidade de acção da OUA era assinalada pela criação da Comissão Africana de Libertação, instalada em Dar es Salam, e pelo boicote vigoroso a Portugal e à República da África do Sul nas conferências internacionais. A proposta de Gana à Comissão de Defesa da OUA para criar um quartel-general militar permanente foi rejeitada. Mas surgia o conflito de fronteiras argelo-marroquino. Tendo as duas partes aceitado a mediação do presidente Modibo Keita, foi este último e o imperador Hailé Selassié que, em Bamaco, reconciliaram os antagonistas, a 30 de Outubro de 1963, na base de um status quo das fronteiras, ao mesmo tempo que previam a criação de uma comissão ad hoc de arbitragem. Este cessar fogo da primeira guerra interafricana, obtido-no quadro puramente africano, constituía um êxito notável para a diplomacia maliana.



* Texto extraído do livro "História da África Negra II", de Joseph Ki-Zerbo, Publicações Europa-América, 1972.

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